sexta-feira, dezembro 30, 2005

Imaginação

- Eu sou escritor.
- Como?
- Escritor
- Eu nunca ouvi falar dessa profissão.
- Não?
- Não! Tem aqui no Brasil?
- Pelo menos, por enquanto.
- Legal. O que os escritores fazem?
- Escrevem.
- Ah, mas eu também faço isso e não sou escritora.
- É uma pena! Com essa sua perspicácia você seria uma grande escritora.
- Você acha?
- Claro, venderia até mais livros do que eu.
- Eu jamais conseguiria viver disso.
- Quase nenhum escritor consegue.
- Agora eu fiquei confusa.
- Eles possuem outras profissões. São professores, jornalistas.
- Açougueiros?
- Possivelmente.
- Ah, tá. E sobre o que escrevem?
- Qualquer coisa.
- Como assim qualquer coisa?
- Não há limites para a imaginação.
- Não estou entendendo mesmo.
- Por exemplo, um escritor poderia contar a história de um rapaz que se transforma em uma barata. Já ouviu falar em Kafka?
- Quem?
- Ah, esquece. Já é covardia.
- Então, um escritor poderia escrever sobre tudo?
- Exatamente
- Inclusive essa conversa?
- Bem, acho difícil. Ninguém teria imaginação pra fazer uma personagem tão complexa quanto você.
- Mas se você estivesse escrevendo essa história?
- Estaríamos os dois completamente pelados em uma cama.
- Mas estamos pelados em uma cama!
- Meu Deus, não pode ser!
- Por quê?
- Porque escrevo histórias de humor
- E?
- E os humoristas são terríveis.
- Você está me assustando.
- Quem está assustado sou eu. Acabo de olhar no chão uma cueca escrita “Steffany”.

O Machista

- Quantas vezes eu vou precisar repetir que eu odeio quando você bebe?
- Por que você odeia quando eu bebo? Eu bebo tão pouquinho... Pior é você que toda sexta-feira enche o pote com seus amigos e eu não falo nada.
- Mas você não sabe beber, aliás, nenhuma mulher sabe beber, começa logo a querer fazer escândalo, subir na mesa, tirar a roupa...
- Meu amor, alguma vez você me viu fazendo isso?
- Nunca fez porque eu não deixo você beber, porque se eu deixasse correr frouxo...
- Nunca imaginei que você fosse ser tão machista...
- Machista, eu?
- Claro, ou você tem outro nome para isso?
- Sou apenas realista, cuido do que é meu.
- Há 10 anos que você fala isso, mas na verdade você é o homem mais machista que eu já conheci! Por acaso você ainda se lembra do que você me disse quando eu me matriculei na faculdade?
- Lá vem você com essa sua memória...
- Você me disse: (imitando a voz do marido)”Não sei pra que você quer diploma de nível superior, pra pendurar na parede da cozinha?”
- Eu disse isso?
- Disse!
- E não é verdade? Tanto eu tinha razão que você trancou a bendita daquela faculdade...
- Você me chantagiou! Disse que eu não teria tempo para dar atenção aos nossos filhos, que eles iriam crescer revoltados com a “ausência” da mãe. E olha que a gente nem tinha filhos ainda... Acabou que você conseguiu o que queria: Eu me senti culpada e larguei tudo... Seu machista!
- Sua mãe concordava comigo.
- Minha mãe morria de medo que eu “ficasse pra titia”, falava que mulher depois dos 30 nenhum homem quer...
- Dona Esmeraldina era uma sábia...
- Seu machista, eu não agüento mais você, pede a conta que eu não quero ficar mais nem um minuto nesse lugar!

Algumas semanas mais tarde, a mesma mulher, em animada conversa com as amigas:

- Meninas, estou cada vez mais apaixonada!
- Que felicidade hein! Nem parece que você já tem mais de 10 anos de casada!
- É verdade... mas o meu marido é o homem mais maravilhoso do mundo!
- Que tal um chopinho pra comemorarmos a sua felicidade?
- Nem pensar, meu marido detesta que eu beba!
- Deixa de ser boba, depois você compra uma balinha de hortelã e ele não vai nem reparar que você bebeu...
- Acho melhor não...
- Não acredito que você vai permitir que ele mande em você desse jeito!
- E você queria que ele mandasse em quem? Para mim, homem que é homem tem que mandar na mulher, tem que ser machista! Eu adoro homens machistas...

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Presente de Natal

- Amor, vou logo avisando que esse ano você não precisa se incomodar com presentes. Você já teve muitas despesas com enxoval, casa, quarto do bebê...
- Faço questão! Eu jamais deixaria uma data especial como o Natal passar em branco.
- Mas não precisa se preocupar, meu amor, de verdade. O meu melhor presente é ter você ao meu lado...
- Você é mesmo um anjo. Mas de qualquer forma eu não me sentiria bem se chegasse para a ceia na casa dos seus pais de mãos abanando...
- Eles nem reparam nessas coisas... mas já que você insiste tanto... não precisa comprar presentes caros, qualquer lembrancinha vinda do homem da minha vida será o melhor presente do mundo!
- Você é realmente uma dádiva divina na minha vida, eu não seria capaz de encontrar outra mulher feito você, tão dedicada, sensível, que sabe compreender todos os problemas...
- Não fala assim... você também é um homem maravilhoso, o homem que escolhi para ser o pai dos meus filhos e envelhecer ao meu lado.
- É por isso que não sei medir esforços para vê-la feliz. Você merece todos os presentes do mundo! Imagina que eu deixaria minha mulher sem presente na noite de Natal...
- Qualquer lembrancinha já vai me faz feliz...

Família reunida na sala. Todos os presentes cuidadosamente amontoados ao pé da árvore de Natal, que iluminava o ambiente com suas dezenas de pequenas lâmpadas coloridas.

- Vamos abrir logo esses presentes! - gritou o pai, já sob os efeitos da terceira garrafa do vinho chileno trazido pelo genro.
- Quero que você abra o meu por último, minha princesa!
- Adoro surpresas, meu amor, adoro surpresas...
- Tenho certeza que você vai adorar!
- Não precisava ter se incomodado...
- Meu maior prazer é fazer você feliz...

É chegado o momento. Todos já receberam seus presentes. Ela vai até a árvore de Natal e pega um pacote deixado por seu amado. Começa a desembrulhar sem muita pressa, descolando cada durex com a ponta das unhas. Parecia já saber o que iria ganhar.

- Mas o que é isso que você me comprou?
- Não é a nossa cara?
- Um porta-retratos?
- Lembra dessa foto? Tiramos naquela viagem para Ouro Preto no Carnaval de 2003. Não está linda?
- Eu estou horrível nessa foto! Não estou acreditando que você me deu um porta-retratos de Natal...
- Não gostou? Achei que você fosse adorar essas florzinhas entalhadas na madeira...
- Achei que você fosse ficar tonto de tanto que eu fiz você passar na frente daquela vitrine...

O jantar

Meu Deus, só faltam quatro horas! Vejamos: já comprei as velas e as rosas. Será que meia dúzia é suficiente? Enfeito a mesa? Não, é melhor o quarto! Mas quem disse que vou levá-la pro quarto? Quem disse que não vou tentar? Não, eu não sou assim! Mas ela pode pensar que eu não a desejo. Talvez até imagine que sou conservador e retrógrado. E se ela for romântica e só fizer sexo com o homem que ela ame? Meu Deus! Ponho cinzeiros? Não, uma mulher como ela não deve fumar. Mas eu não conheço nenhuma intelectual que não fume. Mas quem disse que ela é intelectual? Só porque ela leu Guerra e Paz em russo? Eu li toda obra do Sidney Sheldon e não me acho intelectual. Pará com isso, você não tem tempo pra fazer piadinhas pra si próprio. Bem, já coloquei os talheres. Droga, esqueci o espaguete!
Calma, eu ainda tenho três horas. Uma xícara de cogumelos em fatias, uma xícara de salsa picada, duas colheres de sopa de margarina. Qual é a colher de sopa? É essa menor ou maior? Coloque tudo em uma tigela grande. Mas como grande? O que é exatamente grande? Qual o sentido de grandeza em um livro de receitas? Preciso de um dicionário. Leve ao forno mexendo até engrossar. Meu Deus, só tenho duas horas!
Revisando: claro que conheço todas as músicas do Chico. Essa que você falou é linda, minha preferida. É óbvio que eu adoro Almodóvar. Também amo Neruda. Se sei recitar algum poema de cor? Também tem aquele poema de amor do Maiakovski. Droga, estou parecendo muito comigo mesmo, as mulheres não gostam disso! Tenho que ser mais ousado. Com certeza, Veneza é a cidade mais bonita do mundo, tem um hotel fabuloso em que fiquei hospedado. É evidente que participei da passeata em prol das mulheres do Afeganistão. O pior de tudo é que quero vender meu iate, é tão chato navegar sozinho. Não, não posso mentir. Tenho que ser sincero. Mas quem é sincero no primeiro jantar?
Coloco que tipo de roupa? Será que essa calça combina com essa camisa? O que devo dizer ao vê-la? Você está linda, maravilhosa, estupenda? Não, "estupenda" parece com "estúpida". Será que ela vai reparar que comprei esses quadros só porque ela disse que eram bonitos? Qual o perfume que coloco? Será que ela gosta de cheiro? Droga de telefone!
- Oi, aqui é a Ana. Olha só, hoje não vai dar pra jantar com você. Mas era só um jantarzinho simples, não é? Fica pra próxima. Tchau.

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Encontro

- Eu não acredito! Carlos, o que você tá fazendo aqui?
- É que...
- E ainda por cima se agarrando com aquela vagabunda!
- Mas é que...
- Quer dizer que em vez de estudar em casa, você veio pra Festa da "Abóbora descascada"!
- Calma aí! O que você tá fazendo aqui também?
- Eu?
- Dizendo que iria dormir cedo, né?
- Mas eu tava sozinha no meu canto, enquanto você estava aos beijos com aquela sirigaita!
- Aí é que está. Como você prova que estava sozinha? Uma garota que vai a uma festa escondida do namorado é capaz de tudo!
- Mas eu só vim pra me divertir!
- Se divertir? Você está começando a complicar sua situação!
- É que...
- Além disso, você está com um bafo danado de cerveja.
- Mas você sabe que eu não bebo!
- Mas uma garota que vem a uma festa escondida do namorado é capaz de tudo.
- Eu tenho certeza que não tomei nada.
- Olha só, já está com o sintoma do esquecimento. Isso é muito comum com alcoólatras
- Mas é que...
- Bebe, beija todo mundo e, depois de porre, começa a ver coisas que não existem, como essa história absurda em que agarro uma garota.
- Mas eu não estou bêbada!
- Então me prova. Faz um quatro invertido de cabeça pra baixo, com a ponta do pé esquerdo em diagonal com a superfície.
- Eu não consigo fazer isso.
- Viu, não falei que você estava bêbada!

ALMAS GÊMEAS

- Oi...
- Ah não, você por aqui, de novo?
- Não sabia que eu era tão marcante...
- (risadinha irônica) Realmente você é “marcante”... eu, inclusive, consigo reconhecer sua presença à distância...
- Logo que te vi percebi a nossa química...
- Química? A única química que existe em você vem dessa maldita cachaça que você bebe...
- Não acredito que você pensa que estou bêbado?
- Eu não preciso nem pensar, eu apenas sinto o cheiro... ou você acha que eu te reconheceria a distância como?
- Não fala assim, aposto que se você me deixasse conversar com você outras vezes eu conseguiria fazer você mudar de opinião.
- Então seu estoque de oportunidades já se esgotou...
- Como assim?
- Essa já é a terceira vez que você chega em mim! Você não consegue se lembrar de nada?
- Que lindo...
- O que é lindo, seu louco?
- Essa sensação de “deja-vous” que você sente quando me vê...
- Você é muito cínico, eu tenho certeza que você já chegou em mim!
- Talvez em vidas passadas... mas agora definitivamente nos encontramos...
- Você é muito cara de pau. Mas preciso te confessar que essa é a desculpa mais inteligente para justificar uma amnésia alcoólica que eu já ouvi...
- Se você prefere pensar assim...
- Mas qual é mesmo seu nome?

Alguns anos depois...

- Amor...
- O que foi minha princesinha...
- Lembra daquela história de “deja-vous” que você me contou?
- Claro... Mas o que é que tem ela?
- Era verdade mesmo?

sexta-feira, dezembro 09, 2005

O que será que ele faz?

- Mas o que você disse que faz mesmo?
- Eu já disse o que faço?
- Acho que sim...
- Posso fazer loucuras...
- Bobo, quero saber sua profissão!
- Advogado e escritor.
- Hã?
- Escritor e advogado, se você preferir.
- Mas como assim, advogado e escritor?
- Qual o problema?
- Sei lá, acho que não combinam as duas coisas...
- Como assim não combinam?
- Já sei, me desculpe, de vez em quando eu fico meio lerda. Você escreve livros jurídicos!
- Não! Eu escrevo poemas!
- Você só pode estar brincando...
- Por que eu estaria brincando, você não acredita?
- Sei lá, acho tão estranho um advogado que escreve poemas...
- Estranho?
- É... sempre ouvi dizer que os advogados são insensíveis, materialistas, por isso que quando você me disse que escrevia poemas achei tão esquisito...
- Não acho que todo advogado seja assim, com o tempo você vai mudando de idéia...
- Acho difícil, mas enfim...
- E você, até agora não me disse o que você faz...
- Sou psicóloga e professora.
- Que interessante, você dá aulas em uma universidade?
- Não, em uma academia. Sou professora de jiu-jitsu.
- ...

"As sobras de tudo que chamam lar"

- Vamos ter que recorrer a perguntas!
- Perguntas?
- É. Eu não identifiquei se esse livro de contos do Borges é meu ou seu. Quem conhecer o livro melhor será, a partir de agora, o verdadeiro dono.
- Então, pode me entregar logo.
- Não faz muito tempo, você achava que Borges era o atacante de algum time de São Paulo.
- Paraná.
- Dá tudo no mesmo.
- Não sabia que você era tão ruim em geografia. Antes de me perguntar qualquer coisa sobre escritores que tal aprender a diferença entre sul e sudeste?
- Foi por causa de suas piadinhas idiotas que nosso namoro terminou.
- Nosso namoro terminou por sua total falta de senso de humor.
- Isso é uma mentira. Eu sempre ri bastante. Ainda mais quando você usava essas camisetas e bermudas ridículas.
- Minhas roupas não são ridículas, são curtas. Há sempre uma vantagem em não possuir celulite.
- Você quer que eu dê exemplo de uma coisa realmente curta?
- É melhor a gente continuar ou não vamos terminar vivos.
- Ótimo. Me diz, então, qual é o principal assunto do conto “A forma da espada”
- Ambivalência.
- Como assim?
- Você não sabe o que é "ambivalência"? Não sei como namorei contigo por tanto tempo.
- O que quero dizer é que a maioria dos contos do Borges é ambivalente.
- Você tem uma visão muito restrita.
- Então faça você uma pergunta!
- Tá legal. Qual a última palavra da página sessenta e seis?
- Esse tipo de pergunta não vale.
- Claro que vale, é uma pergunta borgiana.
- Você está apelando
- Quem está apelando? Você ficou com quase todos os livros do Kafka
- Você sempre achou Kafka chato.
- Eu?
- Me disse que nunca terminaria de ler uma obra dele.
- Lógico, sempre estou relendo. Não terminarei nunca.
- Desculpa esfarrapada.
- Desculpa esfarrapada foi dada quando você ficou com o único Keats aqui de casa.
- É uma indenização. A primeira poesia que você fez pra mim, na verdade, roubou dele.
- Eu não roubei dele, eu me inspirei nele.
- Não sabia que plágio agora é chamado de inspiração.
- Deveria saber porque teu último conto foi todo inspirado em Clarisse Lispector.
- Eu não quero ficar discutindo com você. Vamos logo definir o que é de cada um?
- Impossível, você acha que todos os livros da estante te pertencem.
- Estou apenas sendo justa.
- Não sei de onde você tirou seu conceito de justiça.
- Por exemplo, achei um livro que é realmente seu. Tenho certeza que você vai fazer questão de ficar com ele.
- Oba, até que enfim você foi sensata. Mas calma aí, que livro é esse?
- Manual Esotérico de Emagrecimento.

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Coleção

- Espera um segundo que eu vou lá pegar.
- Pegar o quê?
- Ora, pegar minha coleção de selos.
- Você não está falando sério?
- Estou.
- Não acredito.
- Sim, eu te convidei pra vir a minha casa ver a coleção de selos.
- Mas hoje é noite de sexta-feira.
- E daí, os selos, geralmente, não saem pra lugar nenhum.
- Olha, deixa eu te explicar: nós dois, sozinhos em seu apartamento, adultos, descomprometidos.
- Justamente, por isso. Não há ninguém pra nos atrapalhar. Você ficaria maravilhada.
- Quero me maravilhar de outra forma.
- Como assim?
- Você não está sentindo que há algo entre nós.
- Claro. Tem essa mesa de canto, esse abajur ...
- Não é isso! Você não percebe que estou fascinada?
- Mas só ficou desse jeito depois que eu te falei do meu selo persa, de mil novecentos e quinze, espertinha.
- Não, não.
- Olha, eu fui bem sincero : vai fazer alguma coisa hoje? Que tal vir aqui, ver minha coleção de selos?
- Você sabe que eu não sou uma mulher atirada.
- Pudera, estamos no décimo quinto andar.
- Mas eu coloquei minha roupa mais instigante.
- Hummm, sinceramente, não tenho vocação pra trabalhar com moda.
- Nem eu tenho vocação pra trabalhar nos Correios.
- Agora você está me ofendendo.
- Eu também estou me sentindo ofendida. Sempre te achei um sujeito bonito, inteligente e charmoso. Até seu jeito meio excêntrico me interessava.
- Onde você quer chegar?
- Quer mesmo saber? Que tal em um botão ou dois?
- Ahhhh. Você não vale nada mesmo. Agora entendi. Como eu fui bobo. Então, vamos lá pro meu quarto?
- Ótimo, já não era sem tempo.
- Mas vem cá, você quer começar vendo a minha coleção de botões de times da Europa ou do Brasil?

“Um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante...”

- Não é possível, isso só pode ser mais uma das suas brincadeiras...
- Não é brincadeira, você não imagina o quanto é difícil para mim conversar sobre esse tipo de assunto com você...
- Quero saber os detalhes... Onde você conheceu esse índio?
- O que importa isso? Você só precisa saber que estou apaixonada e...
- Apaixonada? Você se apaixonou por um silvícola!?
- Me apaixonei sim, qual o problema?
- Você só pode estar enlouquecendo... só falta me dizer que conheceu o tal índio num shoping center enquanto ele comprava um cocar da Empório Armani pra colocar no sábado à noite...
- Você e seus deboches, continua o mesmo imaturo...
- Eu imaturo? Você não sabe do que sou capaz...
- Não vai adiantar você fazer mais nada, já estou decidida. Vou arrumar as minhas coisas...
- Pra que você quer as suas coisas? Pensei que você agora fosse andar só de tanguinha e pintar o resto do corpo de urucum...
- Deixa de ser cínico, nosso casamento sempre foi um fracasso!
- Você ainda não me disse onde conheceu esse maldito índio! Vou escrever uma carta hoje mesmo para o presidente da FUNAI denunciando esse ser primitivo destruidor de lares! Ele abusou sexualmente de você? Você está sendo coagida?
- Pára de palhaçada! Eu no seu lugar não me meteria com ele... pra seu governo ele tem o dobro do seu tamanho.
- Era só o que me faltava... daqui a pouco você vai tentar me convencer que o nativo que você arranjou tem um arsenal bélico dentro da oca: um tacape, uma zarabatana e um arco e flechas... não seja ridícula, nós estamos no Rio de Janeiro minha querida...
- E outra coisa: Ele tem mais dinheiro do que você...
- Como tem mais dinheiro? Ele é o cacique da tribo em que você vai morar? Você continua a mesma interesseira... Bem que eu sempre fui contra essas políticas rondonistas do governo de deixar terra pra índio... e o pior é que não pagam um centavo de imposto!
- Já chega! Não agüento mais ouvir você dizer esse bando de bobagens.
- Vocês já conversaram com o Pajé? Já pediram as bênçãos de Tupã para selar essa união adúltera? Tomara que ele mande um raio bem na sua cabeça!
- Acho que a sua cabeça está mais propensa ao recebimento de raios...
- Descarada...Você não vai me contar mesmo onde encontrou esse maldito aborígine?
- Você tem mesmo certeza que quer saber isso?
- Claro! Não quero ser poupado de nada, não quero que sinta pena de mim!
- Então tá bom, depois não diz que eu não avisei. Conheci o Índio na praia. A pele dele é vermelha sim, mas é por causa do sol que ele pega todo dia. E a única “tanguinha” que ele usa é uma sunga preta que deixa o corpo sarado dele todo a mostra... mas ele tem uma coisa de índio sim... tem uma tatuagem tribal no braço que deixa todas as mulheres aqui do bairro enlouquecidas!
- Sua sem vergonha... então quer dizer que o índio não é índio coisa nenhuma... Mas peraí! Eu conheço esse cara! Não é aquele coroa metido a garotão que se mudou para o nosso condomínio no mês passado?
- ... foi você quem pediu para eu contar...
- Eu mato você sua desgraçada, volta aqui!