História de casamento
Marcaram de se encontrar outras vezes. Num piano-bar no Leblon, ela lhe revelava seu fascínio por Art Noveau, enquanto ele afrouxava o nó da gravata para lhe confidenciar um poema. Sucumbiram ao inevitável. Apaixonaram-se.
Namoraram por dois anos e meio. Até que numa noite de Sábado, após uma série de reflexões desconexas, ele a convidou para jantar. Escolheu um restaurante sofisticado na Lagoa. Ela colocou o melhor vestido, parecendo adivinhar o desfecho daquela noite. Ligou para algumas amigas: “É hoje!”. Ele pediu uma garrafa de Prosecco italiano – da mesma marca do que beberam na festa em que se conheceram – e os olhos dela marejaram. Ele não resistiu e a pediu em casamento. Ela sequer reuniu forças para hesitar.
Ela escolheu a data, a igreja, os convidados. Bordaram toalhas com suas iniciais. Compraram enxoval, mobília, quadros – réplicas de Portinari e Di Cavalcanti, seus favoritos O apartamento em Ipanema – presente de casamento dos pais dela – foi decorado com apuro. Nenhum detalhe poderia passar despercebido e o grande dia se aproximava.
Enfim, chegou o dia do casamento. A igreja repleta de convidados. Todos os pormenores da festa – a realizar-se no salão nobre de um dos mais conceituados hotéis do Rio de Janeiro – já haviam sido repassados. A cerimônia fora marcada para às 17 horas e já passava das 17:30 e ninguém tinha notícias dele.
Às 18:00 horas – a noiva, meticulosamente, programara-se para um pontual atraso de uma hora – estaciona na porta da igreja uma limousine prata. Ela desce linda, maquiagem irretocável, vestido desenhado por famoso estilista da cidade. Todos os fotógrafos a postos. Mas até então, nenhum sinal do noivo.
Já eram quase 19:00 horas quando ele apareceu. O pai dela tentou puxar-lhe pelo braço, os olhos fumegantes de cólera, mas ele desvencilhou-se com uma destreza inabitual. Com o rosto lívido e a voz incrivelmente serena, anunciou a todos os convidados que não haveria cerimônia alguma, mas que a programação da festa seria mantida. Era uma festa de casamento, mas sem casamento.
O pai dela – cardíaco e hipertenso – tentou agredi-lo, mas foi contido pelos convidados, enquanto a mãe, aos prantos, soluçava e espinafrava o quase genro: “Sempre lhe disse... minha filha... que os advogados não prestavam... e que os escritores... esse bando de doidivanas... são todos uns irresponsáveis!”. Os padrinhos de casamento – os mesmos amigos em comum que lhes apresentaram na bendita festa, do bendito Prosecco – pareciam desconcertados.
Mas para surpresa de todos os presentes, ela decidiu-se a ir a sua própria festa de casamento, mesmo não tendo havido casamento. Os convidados, como não poderia ser diferente, ávidos por uma “boca livre”, logo aprumaram-se na direção do salão, que ficava a menos de 15 minutos do local. E o motorista da limousine prata, embora um tanto impaciente – ainda tinha mais duas noivas para transportar naquela noite – aproveitou para dar uma carona aos quase casados até a porta do hotel, já que ainda restavam 20 minutos para se encerrar o período de aluguel do veículo.
Música ao vivo, buffet, um bolo de três andares e... Prosecco para todos os convidados. Fotos do casal eram exibidas em um telão imenso, já que ninguém havia se lembrado de avisar aos responsáveis pelo cerimonial que não havia tido casamento algum. A música favorita dos noivos – ainda eram noivos! – era tocada a exaustão, enquanto as pessoas dançavam e nem mais se lembravam que não havia tido casamento.
Até que foi anunciada a valsa dos noivos. Um clarão abriu-se no salão e os convidados pareceram recuperar temporariamente a consciência acerca dos últimos acontecimentos. Parentes entreolharam-se. Ouviu-se os primeiros acordes.
Compelidos por uma atração inexplicável, aproximaram-se. Estacionada na frente dele, mirou-lhe no fundo dos olhos. Ele, compungido. Ela, resignada. Foi quando que, inesperadamente, num movimento brusco, ela desferiu-lhe uma bofetada. A aliança, que ainda ostentava no anelar da mão direita, provocou-lhe um lanho na face. Ele, permissivo. Ela, realizada. E valsaram pelo resto da noite, que só terminou quando se lembraram que tinham vôo marcado para lua de mel: a lua de mel do casamento que nunca houve.
P.S.: Os nomes dos personagens foram mantidos em sigilo, por se tratarem de pessoas públicas que gozam de boa reputação na cidade do Rio de Janeiro.